sábado, 4 de outubro de 2008

Quando a casa de uma criança não é um lar...

Como sabem vejo muitos meninos. E de entre os meninos que vejo uma percentagem maior do que eu gostaria (e para mim 1% já é mau) é de crianças institucionalizadas, com passados pequenos mas arrepiantes, curtos mas de feridas tão profundas que nem um futuro enorme e melhor vai conseguir fechar. As feridas de dentro. As de fora curam-se. As de dentro não há como. Condicionam o presente, o futuro e como eles são e serão. Não gosto do inevitabilismo. Mas eu sei que é assim. Infelizmente na maior parte das vezes.
Em geral costumo falar com os pais dos meninos com quem estou.
Estes meninos em instituições têm árvore genealógica, mas não têm pais... ou vão tendo.
Isto tudo para chegar a uma coisa curiosa que sucedeu há uns dias. Vou estar como formadora a dar uma pós-graduação em psicologia forense. Esta semana fomos apresentar-nos (formandos e formadores). De entre os formandos, duas psicólogas que trabalham com o outro lado da moeda: com as mães que não podem ter consigo os filhos, por incapacidade afectiva, por doença mental grave, por comportamentos aditivos. Chocou-me uma colega dizer que as mães alcóolicas, por exemplo, a quem lhes é retirado os filhos, parecem não ter grande sofrimento associado. Não sei, talvez por ser naïf, por ser uma optimista e acreditar sempre, pensei sempre que de cada lado da barricada houvesse sofrimento que tivesse que ver com a separação. Quer dizer, sempre não, mas a maior parte das vezes. A sensibilidade de quem está do lado de lá é que isso ocorre como excepção e a regra é bem diferente...
Ontem estive a rever processos de meninos que vou acompanhar em grupo terapêutico durante os próximos meses. No grupo das meninas uma delas é institucionalizada. E eu rezei sinceramente para que no lado de lá dessa barricada, houvesse uma mãe triste, que sofre com a separação da filha, seja lá qual for a problemática que a levou a abandoná-la. E porque o fiz? Porque é melhor olhar para a menina em causa e saber que é amada, mesmo à distância e que no passado de alguma forma ela sentiu esse amor. Senão... é o vazio. Se a nossa mãe não nos ama, como é que alguma vez vamos ser capazes de ser amados por mais alguém? Em termos mentais isto faz toda a diferença...

Ring a Bell?

4 comentários:

Anónimo disse...

:(

É muito triste

Filipa disse...

Eu diria antes:
se não foram amados, como é que um dia vão sentir-se amados e amar alguém?

C disse...

Sim Filipa, mas a coisa narcísica de poder vir a ser amado por mais alguém (quando até sabemos que é possível) é que penso que nunca se resolverá na totalidade. E sem investimento narcísico, não há investimento no objecto externo. E depois é vê-los nos serviços de saúde mental de adultos, nas prisões, nos grupos marginais...

Finest Casual 1906 disse...

Conseguiste com estas tuas palavras deixar-me angustiado o resto da noite…é de facto muito triste saber que há alguém que não tem o sentimento do amor, nem para receber, ou para dar… e quando se fala em crianças neste contexto é muito mais triste e arrepiante…